Em 1973, o Estadão realizou uma matéria com os comerciantes da região da Vila Élida, onde denunciavam sobre os constantes assaltos que vinham sofrendo na época, contando um pouco de como era a violência na nossa região nos anos 70.
Na foto de capa da matéria, conta com os moradores: Raimundo pereira filho, Antero Joaquim Vaz, Sebastião Vicente, José Agostinho Lucas, Jacinto Justino Sariava, Otávio Trindade Afonso, Toshiharu Inamura, João de Deus Martins e João Roberto Siqueira.
Um detalhe da foto: Parece que o local que a foto foi tirada foi na Cupecê, na altura do Jaú, ao fundo vemos um pouco da Vila Élida já com diversas residências, porém um bairro ainda em desenvolvimento.
Vamos para a matéria:
Em diversos estabelecimentos existe uma “Caixinha” para atender aos ladrões. É sempre necessário que eles levem algum, a fim de não ficarem contrariados.
Vila Élida começa no fim do asfalto, onde não há iluminação a mercúrio e nem sistemas de água encanada. Suas ruas de terra, sem calçamento, cheias de buraco, são desertas de dia, escuras á noite. Nas pequenas casas de tijolos, com numeração em desordem, moram operários, pequenos comerciantes, alguns funcionários públicos. E nos barracos das favelas, nos terrenos baldios, morros e matos existentes na região, vivem os ladrões. O ônibus para o centro da Cidade passa longe; a polícia quase nunca aparece.
Todo estranho que chega á Vila é um suspeito. Ali, naquele bairro entre o Jardim Miriam e o município de Diadema, nos arredores de São Paulo, tanto os comerciantes, donas de casa, estudantes como as crianças tem motivo de olhar os desconhecidos com desconfiança.
Porque, na maioria das vezes, eles vão entrando devagar num bar ou mercearia, pedem um aperitivo, conversam e de repente sacam o revólver, dizem a frase tradicional: “É um assalto.” Este é um fato rotineiro que tem acontecido várias vezes ao mês sem preferência de horário.
Tanto pode ser de manhã, ou á tarde.
Á noite existe um verdadeiro toque de recolher: os comerciantes fecham suas vendas, as crianças ficam em casa. Só se vai á rua em caso de extrema necessidade.
Até agora, de um total de 14 estabelecimentos, apenas um brilhar, é uma padaria que recém-inaugurada ainda não sofreram assaltos. E duas pessoas já foram mortas.
Na semana, por exemplo, dois rapazes: um loiro e outro moreno, entraram no armazém de Rubens Oliveira Campos, 42 anos. Eram 13 horas, sua filha Inês, uma bonita moça de 18 anos, até que achou um deles bastante simpático; Rubens, que vinha entrando naquela hora, pensou que os dois estavam apenas trocando dinheiro. Quando chegou perto é que viu: um deles apontavam um revólver para o entregador de cigarros da Souza Cruz, enquanto o outro pegava mil cruzeiros de sua mão. Depois, ambos foram embora, a pé.
Rubens já está cansado de chamar a polícia, há três meses foi á delegacia dar parte de um roubo de quase três mil cruzeiros, mandaram que fosse procurar procurar pela viatura encarregada neste tipo de ocorrência.
Na viatura, disseram que iriam cuidar do caso, mas nada resolveram.
Em outra ocasião, seria capaz, inclusive, de apontar quem estava tentando arrombar a porta de uma casa vizinha a sua. Mas a viatura demorou tanto a chegar que os ladrões já tinham desaparecido.
Assim, depois de sofrer seu quinto assalto, Rubens parecia acostumado com os problemas que lhe parecem sem solução a curto prazo: Ameaças, pequenos prejuízos, medo.
É no balcão de seu armazém, onde se encostam para tomar café, que alguns fregueses se reúnem e contam história de assaltos.
Inês lembra que mataram o pai de uma amiga sua, ali perto: Dona diva, a mulher, já sabe que na caixa registradora há sempre uns 200 cruzeiros, é a “caixinha” dos ladrões.
“Se não há dinheiro, eles podem ficar contrariados, achar que estamos enganando, e aí a coisa fica grave” – explica Rubens.
Ele conta que, há quase dois anos, os ladrões apareceram na hora em que já havia pago os refrigerantes, cervejas, doces, cigarros e todas as mercadorias do dia. Mostrou-lhes até as notas fiscais de compra, como prova de que não tinha dinheiro em caixa. E, tentando acalma-los, prometeu num sorriso sem graça: “Passa outro dia que hoje tô duro”.
Os ladrões acreditaram.
Conformados, pegaram apenas a nota de dez cruzeiros que lhe restava na carteira, além de um queijo de Minas. Mas ainda conseguiram alcançar Paulo Celso, um entregador de doces, contando o dinheiro recebido de seu Rubens, e tomaram-lhe 80 cruzeiros que tinha na mão.
Das conversas no balcão, surgiram várias ideias, entre as quais a de providências mais sérias contra os assaltos. Foram conversar no Batalhão de Diadema da Polícia Militar, conseguiram que uma viatura da PM ficasse rondando pela Vila durante oito dias. Depois, os policiais foram embora, os assaltantes voltaram. Aí só restava os moradores tratar tudo com ironia, tentar a convivência pacífica com os ladrões.
Toshiharu Inamura, japonês de 45 anos é apresentado como o campeão da Vila: seu estabelecimento sofreu 16 assaltos e três arrombamentos. Como Toshiharu, Jacinto Justino Saraiva é dono de um armazém de secos e molhados e está em segundo lugar.
Dizem alguns: nove assaltos, esta classificação, entretanto, não é justa, lembra o entregador de café Jorge Takarabe, ele mesmo já foi assaltado 12 vezes e garante que na sua firma existe um rapaz na marca de 13 roubos.
Mas a autoridade de Toshiharu ninguém discute, experimentado com diversos tipos de ladrões, sabe como enfretá-los:
“Desde os que vão entrando e dando tiros para cima, deixando marcas de bala na parede e na porta de aço da mercearia, até os mais tímidos, que só puxam o revólver na hora de pegar o dinheiro, fazem tudo discretamente.
É preciso ficar quieto, não reagir a nenhuma provocação. E atender seus pedidos na medida do possível: eles sempre querem dinheiro, mas, de vez em quando, também pegam pilhas elétricas, cigarros, um pouco de comida em lata. É sempre bom ter algum dinheiro, pelo menos, para eles levarem.”
Quando não encontram dinheiro, os ladrões desconfiam que estão sendo enganados. E, no 16º assalto á mercearia de Toshiharu, reagiram com violência: deram um tapa no rosto de sua nora e uma coronhada na cabeça de seu filho mais velho porque eles só tinham 50 cruzeiros para entregar. Assim, não pode dizer que o método de Toshiharu (Prudência, para não despertar suspeitas nos ladrões; boa-vontade, para não enfurece-los; um pouco de esperteza, levando a maior parte do dinheiro para a casa e deixando pouco na mercearia) seja infalível. Mas parece funcionar.
A dois quarteirões do armazém de Toshiharu, fica a Drogadivisa, uma das duas farmácias da região. Ela está fechada há um mês, e os moradores contam sua história: o primeiro dono sofreu sete assaltos antes de vendê-la; o segundo, assaltado logo na inauguração, deixou-a fechada por algum tempo mas, ao levantar de novo as portas de aço, acabou recebendo, outra vez, os assaltantes; o último dono foi assaltado uma vez, e resolveu fechá-la.
Joaquim Tavares dos Santos, um rapaz de 22 anos, noivo, trabalhou na Drogadivisa durante sete meses. E conta que, em junho e julho deste ano, foi assaltado quatro vezes pelos mesmos ladrões: um negro de quase 1,70m de altura, muito forte; outro, careca e mais alto e um branco magro e alto.
A primeira vez foi num sábado de junho: levaram cerca de 400 cruzeiros e perfumes. Depois, eles começaram a aparecer na terça ou na quarta-feira, sempre por volta das 18 horas. Nesses dias, sabendo do encontro marcado, Joaquim ia trabalhar sem o relógio, dividia a féria em duas partes: uma, 200 cruzeiros, mais ou menos escondida, que entregaria aos ladrões; outra, maior, que deixava atrás de uma caixa de injeções.
Quando os três chegavam, já iam direto para os fundos da farmácia: Joaquim só precisava indicar atrás de que caixa estava o dinheiro.
No último assalto, um dos ladrões começou a conversar com ele, enquanto os outros procuravam o dinheiro:
“Você vê, eu era um cara assim que nem você, trabalhava de manhã até de noite, agora estou aqui fazendo isso.”
Joaquim perdeu um pouco de medo e quis lhe perguntar porque tinha virado ladrão. Mas, quando criou a coragem para falar, os outros dois saíram correndo dos fundos, carregando dinheiro. E o ladrão foi embora para os matos da Vila Élida.
Bastante interessante abordar a violência na época da Vila Élida, no nosso blog temos um artigo que fala sobre a origem do barro, vão conferir que está bem completo!