Em 1959, um avião caiu na Vila Clara e roubaram as vítimas!

Na mídia tradicional, o bairro da Vila Clara não costuma a aparecer muito, tanto que há poucos registros (mais ruins do que bons) de jornais de hoje em dia que cita o nosso querido bairro localizado próximo de Americanópolis e Jardim Miriam.

Mas, no dia 23 de setembro do ano de 1959, o bairro teve seu nome citado em muitos jornais devido a um acidente aéreo, segundo moradores a localização da queda foi na região da escola Edmea Attab.

Sobre a Aeronave

Após o final da Segunda Guerra Mundial, a demanda por aeronaves para recompor o transporte aéreo comercial era imensa. Com isso, dezenas de fabricantes resolveram criar novos projetos para suprir esse mercado e a SAAB era um deles. Ao final de 1945, lançaria o Saab 90 Scandia, aeronave projetada para o transporte de até 30 passageiros a uma distância máxima de 1000km. Apesar do sucesso do protótipo, seria lançado tardiamente em 1950, e perderia a concorrência para o DC-3, aeronave de manutenção simples e oferecida em abundância pelo govenro americano após o final da guerra. Assim seriam construídos apenas 18 aeronaves que seriam adquiridas pelas empresas Scandinavian Airlines System e Aerotransport. Em 1950 ,a empresa brasileira VASP adquiria seus primeiros Scandia. Ao final de 1957, a empresa operava todos os 18 aviões construídos, tendo adquirido os exemplares restantes da SAS. O Scandia seria utilizado pela Vasp em larga escala na Ponte Aérea Rio- São Paulo. Após alguns acidentes fatais ocorridos entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960, as aeronaves remanescentes seriam utilizadas em rotas menos procuradas até serem aposentadas em 1969. A aeronave acidentada havia sido fabricada em 1950 e recebeu o número de construção 90.106. Ao entrar em serviço na SAS receberia o prefixo SE-BSD Grim Viking. Em 1957 seria adquirida pela VASP, recebendo o prefixo PP-SQV.

O SAAB Scandia PP-SQR é o último exemplar existente dessa aeronave no mundo. A aeronave faz parte do acervo do Museu Eduardo André Matarazzo, Bebedouro, São Paulo.

O acidente

O SAAB Scandia PP-SQV foi preparado para a realização do voo das 18h30 min da Ponte aérea Rio-São Paulo. Após atraso, a aeronave decolaria da pista 16 do aeroporto de Congonhas às 18h49 do dia 23 de setembro de 1959. Transportando 16 passageiros e 4 tripulantes, a aeronave era conduzida pelo comandante Renart da Cunha Borba.

Após decolar, a aeronave guinou à direita perdendo altura e um minuto e meio depois, voando baixo, bateria sobre uma elevação de terreno ganhando pequena altura até bater numa pequena floresta de eucaliptos, explodindo logo em seguida. A explosão seguida de grande incêndio mataria carbonizados todos os ocupantes da aeronave. Entre os passageiros mortos estava o engenheiro Orlando Drumont Murgel, diretor da Estrada de Ferro Sorocabana.

Bombeiros realizando busca nos locais.

Por conta da proximidade da área da queda, as equipes de socorro chegariam rapidamente, porém todos os ocupantes estariam mortos, inicialmente foram 15 ambulâncias e 12 radio-patrulhas além de 2 carros bombeiros, providenciados pela própria torre de controle.

Lista de vítimas do acidente.

Duas Residências que ficavam a 150 metros do local do Acidente foram atingidas, destroços do avião caíram na ‘Rua 6’, conhecida atualmente como R. Magdeburgo, rua do famoso Frango Frito. Não houve vítimas nas redondezas.
Na época jornais descreveram o local da queda como ‘um morro’.

O jornal O Globo descreveu como era a região em 1959 e dando a entender que as buscas foram complicadas:
“A região do desastre apresenta aspecto tétrico. As maiores partes do avião – a causa e cerca de cinco metros da cabina de passageiros – caíram a sete metros de um casebre de pau-a-pique, onde reside o guarda da propriedade rural. O resto do aparelho foi estilhaçado e lançado numa área que a polícia ainda não conseguiu fixar. Num cálculo preliminar, essa área tem mais de mil metros num sentido e mais duzentos em outro. As dificuldades com que se defrontam as autoridades foram enormes, inclusive para afastar os curiosos e realizar um trabalho de busca sistemático. A cada momento eram chamadas a um ponto para recolher parte de um corpo ou um documento considerado de importância. Nas proximidades de um eucalipto, que foi cortado a oito metros e onde se presume tenha ocorrido a explosão, foram encontrados seis corpos. Além do casebre, outro corpo tinha como único elemento de identificação um rico relógio de pulso de ouro, escapado do saque porque o corpo estava em decúbito ventral, sobre as mãos. Seus bolsos, porém, estavam totalmente revirados. Entre uma vítima e outra, foi encontrado um pé, aparentemente de um homem. Mais adiante uma mão, também de homem. Mais para trás, outra mão, de mulher, com aliança.”

Mesmo mortas, as vítimas tiveram seus pertences roubados

A chegada de populares ao local da queda prejudicaria o resgate dos corpos, sendo que algumas pessoas seriam presas pela polícia ao tentarem saquear os destroços, isto é um fato já comentado até por moradores mais antigos que presenciaram este acidente.

Segundo o Jornal O Globo, foram presas apenas 3 pessoas, e dá mais descrição sobre esse triste ocorrido:
“A escuridão e a extensa área por onde se espalharam as partes dos aparelhos e os corpos não permitiram que a policia tomasse qualquer providência imediata para evitar o saque. Quando chegaram os carros dos bombeiros com os holofotes, permitindo uma iluminação precária, nada mais podia ser feito para salvar os valores dos cadáveres ainda fumegantes. Ainda assim foram detidas três pessoas colhidas em flagrante quando revistavam despojos. Um é o grego Constantino Vassalaite, de 32 anos, feirante. Outro é o operário Laércio Carlos Santos, de 21 anos. O terceiro Jeovan Barreto Alburquerque, diz-se menor e informou que trabalha numa casa comercial da cidade. Os três defenderam-se afirmando que tentavam prestar socorros as vítimas que possivelmente estivessem ainda com vida. Acontece, porém, que não havia um único corpo inteiro. Quase todos estavam semicarbonizados ou horrivelmente mutilados, além dos que foram totalmente despedaçados.

A causa do Acidente

Após a tomada do depoimentos de testemunhas no aeroporto, seria constatada a ocorrência de falha em um dos motores do Scandia. O exame dos destroços se revelaria inconclusivo, devido aos restos da aeronave terem ficado calcinados.

Esse seria o segundo acidente ocorrido em menos de um ano com um Scandia da VASP causado por falha em motor durante a decolagem. Em 30 de dezembro de 1958, o Scandia PP-SVQ caiu na Baía de Guanabara após tentativa de decolagem mal sucedida por conta de falha em um dos seus motores. O acidente deixaria 21 mortos e 17 feridos.

Acidente citado em Livro

Vale citar aqui o livro “O Rastro da Bruxa”, por Carlos Arí Cesar Germano da Silva, que conta a história da aviação comercial Brasileira, no livro cita o caso com mais detalhes:

O Scandia PP-SQV da VASP decolou da pista 16 (atual 17) do Aeroporto de Congonhas às 18h49 do dia 23 de setembro de 1959, uma quarta-feira, iniciando o Vôo da ponte aérea das 18h30. Ao invés de prosseguir subindo em curva á esquerda com rumo ao Rio de Janeiro, porém, o bimotor guinou a direita e começou a perder altura até despencar sobre um bananal, localizado em área pouco habitada do atual Bairro Jabaquara. Nenhum de seus vinte ocupantes sobreviveu. Mal as investigações haviam se iniciado, algumas pessoas, auto-intituladas “especialista em segurança de vôo” afirmavam a imprensa que o comandante Renart da Cunha Borba, confrontado com a perda do motor direito no primeiro segmento da decolagem, teria deixado de executar o procedimento adequado para controlar a emergência, teoria veementemente contestada pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas, que atribuía o acidente a disparo incontrolável da hélice direita. Mais tarde, a investigação oficial atribuiu o acidente à falha do motor direito que levou à perda de altura e colisão com o solo por razões indeterminadas, conclusão que não ajudou a esclarecer a questão, Naquela época, inexistiam os gravadores de vôo, as “famosas caixas pretas”, ferramentas indispensáveis á plena elucidação de acidentes aeronáuticos. Os investigadores dispunham de poucos elementos para reconstituir a seqüência de eventos que conduzira ao desastre. O exame dos destroços raramente era conclusivo, pois normalmente estavam fragmentados e calcinados.

Destroços do Avião.

Quando um motor a pistão falha subitamente em vôo, a hélice continua a girar por ação do vento relativo como um grande cata-vento, absorvendo energia e aumentado substancialmente o arrasto. Para que o avião consiga manter-se em vôo nessas circunstâncias é necessário “embandeira a hélice”, isto é fazer com que suas pás girem em torno de seus eixos até ficarem perfiladas com o vento relativo. A hélice, então,  imobiliza-se, e o arrasto é praticamente eliminado, Para colocar a hélice em passo bandeira, os pilotos do Scandia devia acionar o interruptor de uma bomba elétrica que enviava óleo sob pressão ao mecanismo de controle de ângulo das pás.

Antes disso, porém, tinha que controlar a guinada provocada pela assimetria de tração, aumentar a potencia do motor bom, reajustar a atitude do avião para mantê-lo voando acima da velocidade mínima de controle monomotor e, por último, mas não menos importante, identificar qual dos motores falhara. O embandeira mento da hélice do motor em pane mão podia demorar, pois o avião não conseguia manter-se voando com uma hélice girando em cata-vento. As ações na cabine tinham que ser rápidas e perfeitamente coordenadas entre o comandante e o co-piloto sob pena de resultados desastrosos. Em situação semelhante, muito aviadores  embandeiraram  o motor bom em vez do que estava em pane devido à  enorme pressão psicológica no momento.

Houve casos, até, cada piloto embandeirou o motor diferente, deixando o avião sem tração. Naquela época, por tanto, uma falha de motor no primeiro segmento da decolagem era emergência grave, de altíssimo risco, que exigia dos pilotos ações precisas e coordenadas, além de boa dose de sorte.

Nicolau Abdo Francis, jornalista e um dos 16 passageiros do PP-SQV, perdera dois irmãos em acidentes com aviões da VASP, que naqueles tempos ocorriam com preocupante freqüência, na sua maioria por falhas de motor na decolagem, o que estava a indicar a existência de problemas graves de manutenção da empresa estatal paulista.

Compunham a tripulação do comandante Renart da Cunha Borba o co-piloto Newton Siqueira, o radiotelegrafista João de Moraes Lacerda e a comissária Maria Amélia Gonçalves.

Sobre as Vítimas

Entre as vítimas, havia Sr. Kenkuro Hachiya, presidente da firma
Kenkuro Hachiya & Cia, na época exportadora e importadora de minério pro Japão, ocupava também a presidência da Câmara do comércio Nipo-Brasileira, exercendo a função ainda de diretor-tesoureiro do Instituto Cultural Brasil-Japão, ele estava a caminho da volta pro aniversário de seu filho.

Outra vítima: Charles Eduard Murray, 44 anos, era um dos principais diretores da Propac, firma fundada por seu Pai, que faleceu 6 anos antes em 1953, estava voltando de uma reunião de negócios.

Um francês chamado François Pohl tinha 30 anos de idade, era ex-oficial do exército francês, lutou na guerra da Indochina, tinha vindo tentar a vida no Brasil 1 ano antes do Acidente, onde se tornou engenheiro da empresa Construtora AlumínFerro, com escritório na época na Rua Álvaro Alvim, também estava retornando de uma viagem de negócios.

O Engenheiro Orlando Murgel, que tinha 62 anos, era superintendente da Sorocabana desde 1958, já tendo anteriormente ocupado esse cargo de 1940 á 1951. Foi também diretor de todas ferrovias do Estado: Araraquense, Campos do Jordão e Mogiana. Foi chefe gabinete do Sr. Marcondes Ferraz, ex-ministro da Viação. Natural de Cataguases, deixa viúva Sra. Olga de Resende Murgel e os filhos Orlando, Ione, Maria Olga Paulo Henrique e Maurício Eugênio. Ia para o Rio tratar junto ao B.N.D.E de um financiamento para a E.F. Sorocabana destinado á aquisição de equipamento de controle de tráfego centralizado para a sinalização das linhas entre Barra Funda e Ourinhos. Seu corpo foi identificado graças a uma carta do E.C. Pinherios, do qual foi presidente do Conselho Deliberativo, encontrada em um dos seus bolsos.

Nicolau Francis tinha passagem em outra companhia. Para antecipar alguns minutos de sua viagem, trocou seu bilhete, por um do Scandia. Registre-se, ainda, como lamentável coincidência, que três outros parentes seus falecerem em desastres aéreos.

Uma curiosidade macabra: Orlando Murgel e Charles Murray tinham passagens compradas para viajar em outros aviões, e de última hora preferiram ir viajar no avião acidentado.

A listagem das vítimas são essas:
Comandante: Renan da Cunha Borba
Co-piloto: Newton Siqueira
Rádio: João de Morais Lacerda
Comissária: Maria Amélia Gonçalves
Passageiros:
Carlos Otho Heise
Nicolau Francis
Kenkuro Hachuya
Decanini
Claudio Duarte
Maria L. Garcia
Expedito Garcia
Oscar E. Vieira
Hermelino C. M. da Rosa
Orlando Murgel
Sr. Karl Fust
Marco Diana
François Pohl
Jorge da sILVEIRA
Renato Sebastiany
Ilde E. Heise

E teve gente que deu sorte!

Três expositores da Bienal escaparam, os Srs. José Gomes Sicre, Alexandre Otero, ambos da Venezuela e José Luis Cuevas, do México, expositores da Bienal, escaparam por pouco do desastre. O Sr. Sicre atrasou-se e, juntamente com os seus companheiros, não pode chegar a tempo de embarcar no avião sinistrado, tendo viajado em outro avião que saiu ás 20 horas. O Sr. Cuevas foi contemplado com o Prêmio de Melhor Pintor Internacional da Bienal.

Comunicado da Vasp

No dia seguinte da tragédia, a Vasp fez um comunicado aos Jornais da época:
“A Aviação Aérea São Paulo, S. A., “VASP”, lamenta informar que seu avião PP-SQV acidentou-se poucos minutos após ter decolado do Aeroporto de Congonhas ás 18:49, com destino ao Rio de Janeiro. As Causas do acidente, em que pereceram todos os ocupantes do aparelho, estão sendo apuradas em inqueritos instaurados pela Empresa e pelas autoridades do Ministério da Aeronautica.”

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